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Cinco vidas dedicadas ao seu café
Um dia desses, estava falando com um amigo sobre uma influencer e, no final da fofoca, eu me surpreendi com o tanto que eu sabia sobre aquela pessoa mesmo sem acompanhar o trabalho dela. Fiquei pensando em quantas histórias anônimas nós deixamos de saber: será que falta quem nos conte essas histórias, ou nos falta interesse por elas? Essa dúvida me motivou a escrever sobre pessoas que fazem a diferença, em especial, no café. Para isso, conversei com cinco cientistas que dedicaram sua vida ao café brasileiro.
Nosso ponto de partida é o Instituto Agronômico de Campinas, fundado em 1887. Por trabalhar na fazenda Daterra, que é parceira de pesquisa do IAC, já tive a oportunidade de visitá-lo algumas vezes e é sempre emocionante: lá podemos ver espécies únicas, cruzamentos que talvez nunca mais se repitam, variedades de café que só vamos beber daqui a muitos anos. Os cientistas do IAC, por sua vez, também nos visitam bastante na Daterra – dedicamos vários hectares a eles para que façam as pesquisas que quiserem, do jeito que quiserem. Com essa parceria, o IAC consegue expandir suas pesquisas e nós conseguimos aprender com eles.
“Ao degustar uma xícara de café brasileiro, exalte com orgulho a importância da pesquisa para ter um produto de qualidade em sua mesa” – diz o doutor Luiz Carlos Fazuoli, hoje com 79 anos, um dos maiores nomes da pesquisa da cafeicultura no Brasil. Ele começou no IAC como estagiário, em 1970, participando de um projeto de melhoramento genético para tornar as plantas mais resistentes à ferrugem, uma devastadora doença do cafeeiro. Desde então, Fazuoli publicou 122 artigos científicos, e participou da experimentação de variedades importantíssimas para o Brasil, como os catuaís vermelho e amarelo, mundo novo e acaiá – tenho certeza de que você se lembra de ter provado cafés feitos com essas variedades. Ao ser perguntado sobre qual é o seu maior orgulho durante essa longa carreira, doutor Fazuoli respondeu que foi ter trabalhado com outras mentes brilhantes da ciência brasileira. Isso me chamou atenção: ao entrevistar esses pesquisadores, notei que todos foram inspirados por outros cientistas. Olhe aí, a tal da influência…
Talvez o maior influencer para os cientistas do IAC seja o doutor Alcides Carvalho (1913-1993). Seu nome e seu rosto nos recepcionam assim que chegamos ao Centro de Estudos do Café do IAC, eternizado por meio de sua imagem à frente do instituto ao qual dedicou meio século. Ainda hoje, ele é reconhecido como o maior geneticista de café do mundo: seus 52 anos de carreira foram dedicados a tornar o café brasileiro melhor, mais resistente e mais competitivo. Visionário, começou a estudar a ferrugem do cafeeiro na década de 1950, em parceria com o Centro de Investigação das Ferrugens do Cafeeiro, de Portugal – naquela época, doutor Alcides previa que a doença chegaria ao Brasil, e chegou mesmo: na década de 1970, o grupo de pesquisas de que o doutor Fazuoli participou já estava preparado para contornar a situação. Esse time também teve a participação da bióloga Masako Toma Braghini, a “Mako” para os amigos do café. Ela nasceu no Japão e veio para o Brasil aos 10 anos. Aqui, dedicou-se ao café do nosso país através do Consórcio Pesquisa Café, do qual o IAC faz parte. Masako explica que se interessou por pesquisa já na faculdade, quando foi técnica de laboratório na Unicamp. Logo depois de se formar, ela foi convidada a fazer parte da equipe. Ela me contou que, após doze anos como pesquisadora, Masako decidiu dar uma pausa no trabalho para se dedicar a seus filhos, e retornou oito anos depois para continuar participando do desenvolvimento de cultivares.
Nessa busca por histórias inspiradoras, conversei também com o pesquisador Oliveiro Guerreiro Filho, na ativa no IAC desde 1982. “Eu havia me formado engenheiro agrônomo, em 1981. Durante a graduação, o IAC sempre foi a referência mencionada por muitos de meus professores.” No início do ano seguinte, Guerreiro foi aceito pelo doutor Alcides para um estágio na Seção de Genética do IAC. Além de ter participado do desenvolvimento de diversas variedades de café, Guerreiro foi editor-chefe da revista Bragantia, um verdadeiro tesouro da ciência brasileira, que publica, desde 1941, artigos de experts das ciências agronômicas. A publicação é totalmente aberta e você também pode acessá-la para conhecer quase oitenta anos de história científica.
Já entendemos que a pesquisa é essencial, mas, como ela chega ao produtor? Esse link entre o laboratório e o campo é feito por pessoas como o agrônomo Roberto Antônio Thomaziello, que trabalhou no IAC por 21 anos – antes disso, ele já tinha uma longa carreira de apoio ao produtor rural na Coordenadoria de Assistência Técnica Integral do Estado de São Paulo. No IAC, Thomaziello foi responsável por ministrar cursos, aulas e palestras. “Eu me orgulho muito de ter dedicado toda a minha vida profissional à cafeicultura paulista e brasileira e ter contribuído para a capacitação de técnicos, produtores e estudantes de Agronomia”, conta.
Antes de finalizar, perguntei aos cientistas o que, na opinião deles, o amante de cafés especiais deve lembrar enquanto toma sua xícara. Deixo aqui para vocês a resposta certeira do Guerreiro: “Lembrem-se que o café é resultado de um longo trabalho de seleção, às vezes de vinte a trinta anos, e que isso só é possível graças à dedicação contínua de uma equipe de cientistas brasileiros muito bem capacitados”.
Aqui falamos só de alguns poucos cientistas, mas existem muitos por trás de nossas xícaras. Se você também ama o café, convido-o a visitar a história das ciências do café brasileiro: assim, nós nos cercamos não só de influencers, mas também de inspirações.
(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses junho, julho e agosto de 2020 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).
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