Coluna Café por Convidados Especiais

Do campo à xícara, profissionais convidados refletem sobre o setor

Café, a mais resiliente das bebidas

O Brasil é um destaque no mercado mundial de café por vários motivos, seja como o principal produtor, exportador ou como maior consumidor. Neste período de combate à pandemia não seria diferente. No entanto, pela primeira vez em mais de 10 anos, vimos cair o consumo de café no Brasil, em uma queda de 7,5% em volume devido ao fechamento de cafeterias. Porém, mesmo com a retração, o Brasil deve manter a posição de líder mundial de consumo de café para esse ano.

Em 2019, as cafeterias representaram 32% do volume consumido, ao passo que em 2020, espera-se que essa performance caia para 26%. O cenário não parece deixar brecha para otimismo, mas o consumidor brasileiro continuou buscando o café através do varejo, com destaque para os supermercados e mercados de bairro, seguindo tendências globais de diminuição do deslocamento e priorização para pontos de vendas próximos de suas casas.

Apesar das perdas, café é a bebida que mais resiste entre as preferidas dos brasileiros

Diferente de outros produtos, o consumo do café em casa faz parte, em muitos casos, de um ritual matinal, além de oferecer a dose de cafeína essencial para que muitos consigam despertar. Isso permite que parte do que antes era consumido fora de casa migre para o lar de maneira espontânea, diferente do que ocorre em outros produtos, como a cerveja, por exemplo, que também é uma bebida favorita dos brasileiros.

Para essa categoria de bebidas alcoólicas, espera-se em 2020 uma queda de 1,6% em valores constantes de 2019 no varejo, enquanto no café a expectativa é de crescimento de 3%, também em valores constantes de 2019.Comparando com outro produto tradicional brasileiro, a cachaça, a diferença é maior ainda, onde se prevê uma queda de 15,9%, em valor, no mesmo período.

O crescimento esperado para o café está muito aquém do que foi visto na série histórica onde somente nos últimos três anos, o café cresceu na média de 8,4% em valor ao ano. Apesar da baixa, a questão principal que fica é: qual é o motivo da resiliência do café?

O café mostra sua versatilidade

A resposta do porquê a bebida favorita dos brasileiros se mantém em crescimento enquanto tantas outras caem esbarra na penetração que o café tem na sociedade brasileira. Diferente do resto do mundo onde se espera uma queda no consumo global, o café no Brasil está enraizado na cultura e faz parte inclusive da cesta básica oferecida por diversos varejistas. É difícil para muitos imaginar a possibilidade de acordar de manhã e não tomar sua dose diária de café, sendo considerado um produto importante que, para muitos, se torna um hábito essencial.

Além disso, pela possibilidade de ser feito em casa e suas ocasiões de consumo serem menos específicas que a cerveja, o consumo de café fora do lar consegue migrar para dentro das moradias com maior facilidade que a cerveja, atrelada muito mais ao consumo social.

Algumas tendências observadas até o momento para o mercado de café também ocorreram em outros produtos, como o trade-down, isto é, a troca por produtos mais baratos, advindo principalmente do medo de desemprego e choque de renda que os impactos econômicos da pandemia irão trazer para o brasileiro. Isso permite que ele troque momentaneamente a marca ou o tipo do café consumido, mas sem diminuir seu volume. Essa flexibilidade que o café oferece ao consumidor foi essencial para que a categoria resistisse a quedas mais severas.

Ocorreu também o crescimento em produtos específicos de café, com atenção especial para as cápsulas, “amiga” da comodidade nesses tempos de crise, que se espera crescer 3,1% em volume em 2020, comparado ao crescimento de 1% em volume de cafés torrados e moídos. Apesar de haver mais tempo livre devido à grande massa de trabalhadores ficando em casa, a comodidade e facilidade continuam sendo fatores importantes na hora de decisão da compra do café.

Outro fator de importância que ajudou o café foi a sazonalidade. O produto já possui por si só uma sazonalidade invernal, quando ocorre um aumento de vendas natural. Devido a pandemia, que se intensificou no Brasil entre Outono e Inverno, houve um incremento das compras durante a temporada, permitindo que a bebida fosse melhor aceita nas residências brasileiras do que seria caso a crise ocorresse durante o verão.

O ano de 2020 nos mostra um novo tipo de crise, a sanitária, vinda da impossibilidade de consumo (diferentemente das crises passadas que tinham origens financeiras), afetou diretamente o consumo de diversos produtos e reforçou as fragilidades que nossa sociedade e economia enfrentam no combate de pandemias e crises. O período mostrou as forças que o mercado de café possui e que servem de exemplos para outras categorias: a disseminação do produto em diversos pontos de venda, dos menores aos maiores, ampla variedade de preços e níveis de qualidade, produtos que atraem aqueles que buscam comodidade e os que preferem seus “rituais”, a sazonalidade e, principalmente, como a influência cultural pode criar uma rede de segurança para o mercado.

Confira aqui um relatório sobre as mudanças, que a pandemia de Covid-19 (coronavírus), trouxe no mercado de consumo.

TEXTO Rodrigo Mattos, analista de bebidas da Euromonitor International • FOTO Annie Spratt

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