Barista

Sem medo de mudança

Quantos caminhos são necessários percorrer até se encontrar? Profissionalmente, Georgia Franco de Souza acredita ter levado dezessete anos até que o Lucca Cafés Especiais, no bairro do Batel, em Curitiba (PR), chegasse ao formato tão sonhado – uma combinação de cafés especiais com pães de fermentação natural. Produzidos pelo padeiro Eduardo Feliz, eles são a base do cardápio desenvolvido pelos chefs Gabriela e Celso Freire (pai e filha), com tartines variadas, sanduíches com embutidos do Sul, doces e brunches nos finais de semana, entre outros quitutes. “Certa época a cozinha tinha tomado um espaço imenso no café e esse não era meu propósito”, conta Georgia.

O Lucca de hoje, segundo ela, tem muita inspiração na Tartine Bakery, de São Francisco (EUA), casa que harmoniza excelentes pães com cafés cujo sócio e padeiro Chad Robertson trabalha com grãos de raízes primitivas, como o centeio. Parece improvável que ao longo do tempo a bem-sucedida empresária e mestre de torra tenha experimentado vários modelos para a cafeteria. “Esse é o preço dos que investiram em um mercado quando ele nem bem existia”, comenta o marido, Luiz Otávio, que se juntou ao negócio depois de três anos do seu lançamento, e comanda a área administrativa. “Hoje a gente tem uma fartura de exemplos, mercado consolidado, um norte para se guiar”, conta Georgia.

No passado ela não tinha ideia de que cairia no mundo dos cafés especiais e seria uma de suas precursoras no País. O que Georgia vivia no final dos anos 1990 era um misto de inquietude e insatisfação com a antiga profissão, engenheira na área de informática em uma universidade. Sem planejar, deu o primeiro passo para uma virada quando, em determinada época, juntou  as férias vencidas e foi para a França fazer, por puro hobby, um curso de Gastronomia no Instituto Vatel, em Nimes. Lá se encantou com a pâtisserie, e sua sensação de ser urgente outro destino para a vida profissional só aumentou. “Mas o que faria? Eu não tinha essa resposta”, comenta.

O café bate à porta

Nesse hiato apareceu o café. Amigos cafeicultores da região do Norte Pioneiro do Paraná conseguiram uma boa colheita de grãos especiais, porém não sabiam lidar com esse tipo de comercialização. Georgia se ofereceu para ajudá-los na exportação e essa primeira experiência foi o catalisador para a mudança. Três anos antes de abrir o Lucca, ela trabalhou no setor visitando fazendas e as principais feiras da área. Tornou-se sócia da associação internacional Specialty Coffee Association (SCA) e trouxe para Curitiba todo o material sobre tecnologia em grãos, torra e preparo. Começou a participar de concursos como barista e, em seu primeiro campeonato brasileiro, ficou entre as finalistas. “Percebi que estava pronta o suficiente para conduzir meu próprio negócio”, afirma.

Nessa fase de transformação, foi primordial o resgate da infância na fazenda de café do avô paterno em Apucarana (PR) e do cheirinho de torra artesanal feita num torrador de ferro no fogão a lenha ou na fogueira. Devastada pela geada de 1975, que dizimou os cafezais do Paraná, a plantação de arábica da família não existe mais. Desses avós, imigrantes italianos, ela acredita ter herdado o lado empreendedor. “Meu avô era engenheiro e minha avó costurou muito para criar os filhos”, comenta.

Essa vivência rural só a ajudou a fortalecer o vínculo com os cafeicultores, ao buscar a seleção de grãos nas principais regiões cafeeiras (de onde surgem os microlotes que fazem a fama da cafeteria, conhecida por vender cafés vencedores em premiações internacionais) e pagar preços superiores, iguais aos praticados pela exportação. O contrário também acontece. “Os produtores levam amostras para a gente avaliar”, diz.

A proposta de aproximar os cafeicultores do consumidor final estava presente quando a cafeteria foi aberta, em junho de 2002, com uma máquina de torra e cinco tipos de café especial. Hoje a carta é composta de 35 deles, Georgia se dedica à torrefação três vezes por semana e uma equipe de baristas treinados trabalha com diferentes métodos para extrair a bebida para o cliente. A casa é a que mais acumula títulos em campeonatos nacionais e em mundiais.

O tempo não para

Com o tempo o desejo de ter um café e se sentir realizada profissionalmente foi ganhando outros contornos. Em 2010 Georgia abriu o Lucca Lab, que ocupa o mezanino da loja e é voltado para cursos de formação de baristas e torradores. “Os mais concorridos são os certificados pela SCA”, diz Georgia. Em 2011 foi aberta a DOP, torrefação instalada na região metropolitana de Curitiba que comercializa grãos torrados e cápsulas para cafeterias e supermercados de todo o País. Há dois anos o Lucca passou a vender também café on-line a consumidores finais.

Os filhos também se juntaram ao negócio. Camila se divide entre a torra na DOP e a cafeteria (ela foi campeã brasileira na categoria Brewers em 2017), Marcelo cuida da identidade visual da marca e Carolina, que acumula premiações em campeonatos dentro e fora do País, trabalha em um laboratório de exportação de café na Guatemala. O Lucca presta serviço à empresa.

Com uma equipe ajeitada, pela primeira vez em dezessete anos Georgia e Luiz Otávio saíram realmente de férias, rumo à Toscana, na Itália, sem nada associado a eventos sobre cafés. Mas a cabeça de Georgia Franco de Souza não para não. Ela pretende imprimir ao Lucca Cafés uma marca ligada à sustentabilidade porteira afora, especialmente no tocante à geração de resíduos. Da porteira para dentro, ela já trabalha com fazendas certificadas, que asseguram critérios socioambientais. “O cuidado com o planeta também depende do dia a dia das nossas escolhas”, pondera.

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses junho, julho e agosto de 2019 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Janice Kiss • FOTO Raissa Castor

Deixe seu comentário