Cafezal

Tesouro das Matas de Minas

A história de um paulistano que deixou a vida urbana para se dedicar à produção de cafés em Alto Caparaó e se tornar referência em qualidade na região

A BR-262 é a estrada que liga Vitória, no Espírito Santo, ao Alto Caparaó, em Minas Gerais, pequeno município situado na divisa entre os estados. Pelo trajeto, inúmeros cafezais mostram que o plantio dos grãos é símbolo da economia da região. Passando pela cidade de Pedra Azul (ES) e por outras graciosas cidades capixabas, após cinco horas de viagem, chega-se a solo mineiro, na Zona da Mata, ou melhor, na região de Matas de Minas, como é chamada. É lá que está a Fazenda Ninho da Águia, batizada assim por ser reduto de oficiais da aeronáutica no passado. A propriedade vem ganhando destaque no mercado de cafés pela qualidade dos grãos produzidos em altitude elevada, média de 1.300 metros. As terras da fazenda fazem fronteira com o Parque Nacional do Caparaó, onde está situado o Pico da Bandeira, um dos pontos mais altos do País. E, embora a geada e o tempo frio sejam companheiros de quem mora por lá, a paisagem cinematográfica e o solo fértil não deixam dúvidas de que se trata de um bom lugar para viver.

A história da fazenda começa com Aides Gomes Monteiro. Nascido em Alto Caparaó, ele migrou para São Paulo na década de 1960 para tentar a vida na capital. A ideia também era buscar reconhecimento das montanhas de Caparaó e depois voltar para ointerior. Por São Paulo ficou, estabeleceu comércio e, quando percebeu, o então presidente da República, Jânio Quadros, havia passado por sua terra natal e transformado a região em Parque Nacional do Caparaó. Sempre com a vontade de voltar, passou a investir em terras por lá e, em 1970, começou a plantar café.

Não foi fácil. O clima frio assustava. Aides conta que, no início da plantação, a geada queimava os novos cafés. “A região era considerada ruim para o plantio de cafés, porque as pessoas não tinham conhecimento de como cultivá-los e achavam que o frio era um empecilho. Elas colhiam, secavam os grãos no terreiro de chão e os deixavam expostos ao sol e à chuva; assim, eles fermentavam, o que estragava a qualidade do café. Então, foi difícil sabermos como obter bons cafés”, conta. Mesmo assim, ele seguiu com a plantação, cultivada por terceiros, conciliando-a com os negócios na capital.

Do surfe ao café

Da união de Aides com sua esposa, Shirlei Barrossa Monteiro, nasceram Clayton, Gabriela e Sheyla. Primogênito paulistano, apreciador da natureza, tanto de praias, como de montanhas, Clayton viveu parte da vida no bairro do Brooklin, em São Paulo. Ele gostava de curtir o litoral paulistano e para surfar não tinha tempo ruim. “Às vezes, em plena quarta-feira, eu pegava o carro e ia para Ubatuba surfar, não queria saber de nada, a não ser curtir a vida”, relembra Clayton. Após ter servido o exército no Forte de Itaipu, na Praia Grande (SP), era hora de decidir o rumo que seguiria, já que estava com 22 anos de idade. Seu tio, José Gomes, irmão de seu pai, produtor de cafés em Alto Caparaó, decidiu então lhe fazer uma proposta. “Por que você não vem cuidar da plantação de seu pai? O trabalho com café é de apenas seis meses, e nos outros seis você fica de folga”, propôs. Clayton, que nas férias viajava para a propriedade do pai e gostava do local por estar em frequente contato com a natureza, resolveu abraçar a ideia. “Já tem quase 18 anos que estou na fazenda e estou esperando esses seis meses de folga até hoje”, brinca.

Foi em maio de 1996 que Clayton se mudou para a região. Exatamente no mês de início da colheita da safra. Seu tio foi quem lhe ensinou a lidar com cafés. “Tive sorte, pois ele é um cara caprichoso. Ainda não tínhamos ideia do que eram cafés especiais, mas ele priorizava fazer um café de qualidade e resolvi seguir com esse aprendizado”, lembra. Logo depois, Clayton vendeu seu carro e com parte do dinheiro investiu na plantação. Com o restante, comprou um cavalo para ser seu novo meio de transporte.

Em 1998, com o crescimento dos shopping centers em São Paulo, o comércio do pai foi perdendo força e, assim, Aides voltou a morar em Alto Caparaó com a esposa, e passou a ajudar o filho na cafeicultura. Hoje, a família credita a Clayton o mérito de pôr a Ninho da Águia no mapa dos cafés especiais.

Desvendando os cafés

Na época em que Clayton começou o trabalho na fazenda, a maioria dos cafeicultores da região separava os melhores cafés para vender e ficava com os de menor qualidade para consumo. Clayton resolveu fazer o contrário: de todas as sacas que conseguia em sua produção, separava de duas a três para consumo, assim, seria possível conhecer mais sobre o sabor dos grãos de suas terras. Nos anos 2000, começaram a surgir cafeterias focadas em cafés especiais nas grandes capitais do Brasil. O cafeicultor, sempre que podia, visitava alguns desses estabelecimentos para saber quais cafés eram servidos. Quando provou um café na Suplicy Cafés Especiais, no ano de 2003, logo pensou: “Se esse café é especial, então o que eu planto na fazenda também é”. O sabor adocicado e natural do grão ficou na cabeça de Clayton. Ele permaneceu com a ideia de que também produzia café de qualidade e foi isso que o ajudou a pensar em uma maneira de agregar valor às suas sacas.

Sem agrotóxico e artesanal

Com um terreno de 111 hectares em escritura, a Fazenda Ninho da Águia possui 25 hectares para a plantação de café, que fica situada em terreno inclinado, que varia de 1.300 a 1.400 metros de altitude. Isso dificulta a utilização de maquinário na hora da colheita e da manutenção do cafezal, fazendo com que o trabalho seja totalmente manual. Pés de café das variedades catuaí vermelho e amarelo, com mais de quarenta, anos estão em ótimo estado. O cafeicultor cuida com carinho da adubação e também da poda da grama, utilizada em tamanho médio-alto. Clayton diz que esse tamanho de grama ajuda na adubação da terra e minimiza o risco de pragas. A região, segundo o cafeicultor, não necessita do uso de agrotóxicos na plantação, já que é beneficiada pela altitude elevada. O clima é tropical com temperatura média entre 19ºC e 22ºC, no verão. No inverno, a Serra do Caparaó e o Pico da Bandeira podem ter geadas e temperatura na marca  de -5ºC e -10ºC. Clayton diz que esse clima é o responsável pelo atraso na época de colheita, que, na região, vai de julho a novembro.

O processo de colheita é feito por meio de acordo com cooperativas da cidade, no qual cerca de dez a quinze cafeicultores, inclusive membros da mesma família, fazem parte dos trabalhos. Clayton é responsável pela secagem dos grãos em terreiro suspenso, chegando a mexê-los de vinte em vinte minutos durante o processo de secagem.

Persistência que deu certo

Para alcançar qualidade, Clayton teve que dosar a ansiedade e esperar por todas as etapas, inclusive pela mais difícil: o tempo. “Tive que esperar quase dez anos para conseguir oferecer grãos especiais”, comenta. Com a ajuda de um amigo, que morou anos na Austrália, ele obteve informações de como certificar uma propriedade para conseguir exportar os grãos. Tentou ainda se unir aos outros cafeicultores da região, mas não deu muito certo. Nem todos estavam interessados, para a sua frustração. “Então deixei essa história de lado e foquei em tentar produzir cafés de qualidade”, relembra. Mesmo assim, o cafeicultor diz que se os outros produtores se engajassem na certificação de suas produções e investissem em qualidade, a região onde estão seria muito mais reconhecida por seu potencial. Enquanto não conseguia se manter apenas com o dinheiro do café, Clayton conciliava o cultivo da plantação com a criação de gado de leite.

Para se aprofundar, ele investiu em um torrador e começou a fazer experimentos em 2011. “Já tinha um torrador de café antigo que era do meu pai, mas, em uma feira de Manhuaçu, me interessei em adquirir um novo equipamento, mesmo sem saber se ia dar certo”, ressalta. No início desse ano, o cafeicultor fez um curso de torra no Studio Fazenda Ambiental Fortaleza (FAF), para aprimorar seus conhecimentos nessa etapa importante para garantir a qualidade do café. No mesmo ano, ele certificou sua propriedade, o que possibilitou a participação em concursos de qualidade. Em 2012, caprichou na secagem dos grãos e conquistou o primeiro e o segundo lugares da sexta edição do campeonato, na etapa municipal, categoria natural. A seguir, a propriedade foi classificada para a etapa estadual do IX Concurso de Qualidade dos Cafés de Minas Gerais, e alcançou o primeiro e o terceiro lugares, também na categoria natural. As boas posições nos concursos fizeram com que empresas do setor investissem em seus cafés.

Do Brasil para o mundo

A amizade com Thiago Emmerich, da empresa Industrial Atilla, fabricante de torradores, possibilitou a participação na 8ª edição do Espaço Café Brasil, feira que reúne os principais empresários do setor. Lá, Clayton fez vários contatos, inclusive exportou doze sacas para a Austrália, com a ajuda de amigos que emprestaram um contêiner para a entrega.

No evento, as amostras do cafeicultor participaram do Coffee of The Year 2013, concurso que premia os melhores cafés do Brasil pela escolha do público, e os cafés da Ninho da Águia ficaram em sexto lugar. Atualmente, várias marcas renomadas são compradoras de grãos da fazenda como Octavio Café (SP), Trentino Cafés Especiais (ES), William & Sons Coffee Co. (RS) e Sofá Café, da qual Clayton é apoiador no projeto Fazedores de Café, que tem o objetivo de formar jovens baristas. Ele doa cafés para serem utilizados no curso.

Na própria fazenda, Clayton é responsável pela torra e pela comercialização de embalagens de 250 g e 500 g, de três tipos de café: orgânico, gourmet e premium. Continuar a produzir grãos de qualidade e expandir o negócio são os objetivos do cafeicultor que, confiante e paciente, conseguiu apresentar os grãos de sua região ao mundo.

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses junho, julho e agosto de 2014 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

TEXTO Amanda Ivanov • FOTO Alexia Santi

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