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Feira da SCA vai arrecadar recursos para o plantio de 6 mil árvores em países produtores de café

O evento começa sexta (12) em Chicago, e busca compensar 2 mil ton de emissões de CO2

Neste ano, o lado verde da Specialty Coffee Expo, que acontece  de 12 a 14 de abril em Chicago, nos Estados Unidos, está mais evidente, informa o site Global Coffee Report. Denominada Expo Sustentável, o evento, que é a maior feira de café B2B da América do Norte, alinhou parcerias para criar uma estratégia diferente de compensação ecológica para promover a distribuição equitativa de valor na cadeia produtiva do café.

A ideia é implementar sistemas agroflorestais para o sequestro de CO2, mirando compensar de 1.600 a 2 mil toneladas de emissões. O plano será apresentado no evento e o apoio financeiro recebido será destinado a 150 fazendas cafeicultoras latinoamericanas para o plantio de 6 mil árvores nativas que contribuam com a saúde do solo, a redução de erosões e o sequestro de carbono. 

As fazendas contempladas estão em países como Colômbia, Equador, El Salvador, Guatemala, México, Nicarágua e Peru, que disporão também de mais acesso a conhecimento e treinamento técnico para enfrentar as mudanças climáticas.

Os parceiros são Caravela Coffee (exportadora e importadora de cafés verdes da América Latina), Pacific Foods Barista Series (fornecedor de alimentos plant-based) e Barista Attitude (fabricante de máquinas de café).  

Brasil

A participação do Brasil também será inovadora. A Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), por exemplo, vai  apresentar seu protocolo de avaliação de cafés torrados em palestra na sexta (12), às 13h. O Protocolo Brasileiro de Avaliação Sensorial de Cafés Torrados, formulado com o uso da Inteligência Artificial, terá como guia a especialista em análise sensorial de cafés e consultora de qualidade da ABIC, Camila Arcanjo. Entre as falas programadas estão as diferenças entre estilos de cafés, principais características de qualidade do grão no pós-torra e as preferências do mercado brasileiro. 

Camila Arcanjo, especialista em análise sensorial de cafés e consultora de qualidade da ABIC

Já o Pavilhão Brasil na Specialty Coffee Expo 2024, da BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais), participa destacando as origens produtoras do grão no Brasil a partir da exploração dos perfis sensoriais dos cafés de 15 IGs. A degustação acontece no Brew Bar do espaço. Os expositores brasileiros também irão transmitir aos visitantes informações sobre os métodos de cultivo e de processamento dos cafés brasileiros. 

Por fim, vale reforçar a disputa de dois baristas do Brasil nas fases mundiais do World Coffee Championships, Dionatan Almeida (Cup Tasters Championship) e Rubens Vuolo (Brewers Cup).

A expectativa, também, é que a edição de Chicago bata recordes em termos de espaço para expositores e número de participantes. 

TEXTO Redação • FOTO Divulgação

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“Há uma distância entre produção científica e sua aplicação industrial”

Referência mundial em pós-colheita de cafés especiais, o pesquisador Flávio Borém aplica tecnologia inovadora não só no campo, mas nos grãos que vende em sua cafeteria, em Lavras (MG)

Com fala mansa e didática nas palestras que profere, o engenheiro agrônomo Flávio Meira Borém, da Universidade Federal de Lavras (UFLA), prende a atenção de um público diverso. Mas o cientista mineiro, doutor em produção vegetal e com quase 30 anos de pesquisas em cafés especiais, também atrai a comunidade científica global com os artigos que publica. Seu trabalho, porém, não fica preso ao papel, já que Borém leva o conhecimento que produziu na universidade para o campo, como consultor especialista em pós-colheita de grãos de qualidade.

Autor de Tecnologia pós-colheita e qualidade de cafés especiais, lançado em 2023, e editor-chefe da Coffee Science, revista técnico-científica de cafeicultura, Borém não para de quebrar paradigmas. Como em 2015, no Re:co Symposium, evento internacional com líderes e especialistas da indústria de especiais. Em sua exposição, o cientista demonstrou que a consistência e a qualidade dos cafés depende da integridade das membranas celulares dos grãos, qualquer que seja o método de processamento, quebrando o paradigma de que cafés naturais são inferiores em qualidade. Entre suas inovações recentes está uma linha de cafés especiais – um, com alto teor de cafeína e outro, com atividade antioxidante (a partir de frutos imaturos) –, que serve na Borém Cafés Especiais, cafeteria e torrefação que abriu há pouco mais de dois anos em Lavras (MG). O próximo projeto é desenvolver um secador para cafés especiais. A seguir, a entrevista remota com Flávio Borém.

Espresso: Em seu livro, você destaca a relevância da composição do solo na qualidade do café. O que descobriu sobre essa relação?

Borém: Não há consenso entre pesquisadores da verdadeira contribuição de fertilidade e nutrição das plantas no sensorial da bebida. O que há de novo é a ampliação da visão do papel dos solos. Recentemente, encontrei trabalhos dos especialistas em solos José Marques Júnior e Diego Siqueira, da Unesp de Jaboticabal, sobre a mineralogia da argila. Argila é uma fração do solo (que tem, ainda, areia e silte) composta por minerais. O que importa não é só a quantidade da argila, mas também a qualidade dela, que cria uma interface entre os sistemas solo e planta, absorvendo fósforo e fazendo trocas catiônicas, por exemplo. Ou seja, tudo passa através dela.

Tradicionalmente, a microbiologia do solo é considerada o ponto mais importante para a qualidade, mas tudo o que existe no solo depende, originalmente, da rocha de origem e dos fenômenos geológicos que a formaram. Com isso, temos a fertilidade e a nutrição do solo.

Fiz um trabalho na Mantiqueira para o pedido da D.O. e esses dados foram disponibilizados para a equipe do Marques – que coletou, novamente, os solos no mesmo ponto geográfico. Cruzamos esses dados e o resultado foi um mapa de qualidade da argila. Descobrimos que a tipologia da argila é o principal componente na distribuição espacial da qualidade do café.

E: O que isso significa, na prática?

B: A partir desse mapeamento tipológico, identificamos em fazendas, ou áreas maiores, terroirs com maior potencial para cafés especiais, além de podermos recomendar variedades – o que não quer dizer, necessariamente, que o café terá mais qualidade, pois essa construção acontece ao longo de todos os processos. Porém, a formação de precursores no café depende da tipologia da argila. Esse conhecimento é uma ferramenta poderosa de precisão nas recomendações agronômicas, permitindo tomadas de decisão melhores. Com ela, ganhamos em manejo, redução de custo de produção e potencialização da qualidade sensorial dos grãos.

Já temos dados reais do uso dessa prática em São Tomé das Letras [Minas Gerais]. Lá, os produtores já conheciam um talhão famoso por produzir especiais. Depois do mapeamento, identificamos outros, dos quais eles nunca imaginaram obter qualidade.

E: Há outra quebra de paradigma sobre a tipologia da argila do solo, não é?

B: É a famosa relação altitude e qualidade. Dependendo da argila, produz-se especiais mesmo em altitudes mais baixas. É aí que a coisa muda: se a argila é favorável, o café bebe bem mesmo em altitudes entre 900 e 1.000 m. A tipologia da argila tornou-se mais relevante do que a latitude, que sempre deve ser considerada. Atualmente, 60% a 70% da resposta sobre porque há áreas melhores e piores para o cultivo está na tipologia da argila.

Até recentemente, a metodologia para conhecer solos vinha dos Estados Unidos e da Europa. Mas os solos de lá são de clima temperado, e a metodologia não era assertiva para climas tropicais como o nosso. O diferencial da equipe do Marques e da empresa parceira Quanticum é ter uma metodologia científica genuinamente brasileira, já patenteada, para aferir a tipologia de solos tropicais. Pode-se com ela, por exemplo, emitir certificados com o tipo de solo em que o café foi produzido, o que é um diferencial de marketing, e usá-la para créditos de carbono.

E: Você diz que análise de risco é uma ferramenta pouco explorada em projetos de pós-colheita. Por quê?

B: Quando produtores e técnicos tomam uma decisão, intuitivamente fazem uma análise de risco. Mas grandes empreendimentos de outros setores já usam uma matriz de análise de risco para tomadas de decisão. Aparentemente assertivas, as decisões na cafeicultura, feitas na base da opinião, têm custo ou risco altos, e não estão sendo claramente avaliadas. Por praticamente 30 anos, as coisas foram assim. Certa vez, ao elaborar respostas sobre que decisões podiam ser tomadas pelos produtores, percebi que estava fazendo uma análise de risco, e coloquei essa lógica no papel. Essa matriz de análise de risco que montei auxilia, simplificadamente, tomadas de decisão mais assertivas.

E: Como funciona essa matriz?

B: Ela é personalizada, pois considera uma fazenda, em tal região, como um sistema. Cada produtor vai responder de uma maneira. A matriz avalia riscos econômicos, riscos biológicos e impactos no aspecto do grão e na qualidade da bebida. Quanto menor for o risco de deterioração do café, do ponto de vista microbiológico e sanitário, e maior for a sua uniformidade, maior a chance de eu recomendar determinada tecnologia. É simples e assertiva.

E: Existem várias nomenclaturas para os processamentos do café, dependendo da região, do país e da literatura consultada. Que saída você encontrou para esclarecer esse conhecimento?

B: As pessoas criam nomes diferentes para os mesmos processamentos. Respeito jargões diferentes, pois isso é cultural. Mas, dependendo para quem se fala, a confusão pode ser enorme. Com base nisso, olhei para a anatomia do fruto. Método de processamento significa como o café chega ao setor de secagem. Há mais de 200 anos, deu-se o nome de via seca ao fruto que ia diretamente da colheita ao terreiro. Se ele chega ao terreiro misturado (verde, maduro, seco), é uma via seca com uma mistura de frutos.

Mesmo que ele passe pelo lavador, que separa o grão pelo estádio de maturação antes da secagem, o método ainda é chamado de via seca. Então, quem entra no mundo do café aprende que via seca é um processo que utiliza água! Daí, tenho que explicar que o processamento ainda carrega esse nome por motivos históricos.

Daí, pensei: e se eu chamar isso de secagem do fruto integral? Independentemente do seu estádio de maturação, um dos processamentos é a secagem da fruta inteira, com todos os seus componentes anatômicos (chamam genericamente esse método de unwashed coffee, dry method, via seca ou café natural). Comercialmente, prevalece a designação café natural. Tecnicamente, seria interessante chamá-lo integral, como arroz integral, porque não se tirou nada do fruto. Tudo começa, então, pelo entendimento da anatomia do fruto. A partir disso, não há discussão: o café integral (maduro, verde, seco ou passa) é levado para secar. Se houve colheita seletiva, ele tem homogeneidade e pode ser um natural de maior qualidade, porque o diferencial está no tipo de colheita.

Na literatura internacional, a maioria refere-se ao natural como café de baixa qualidade. É uma concepção histórica, pela qual o Brasil ficou conhecido – considerando o café natural como a secagem do fruto integral ou a mistura de frutos com diferentes maturações. Mas há naturais tanto de altíssima qualidade quanto de baixíssima qualidade.

E: E como você simplificou essa nomenclatura?

B: O café tem, basicamente, quatro tecidos: a pele, que é epiderme ou exocarpo (e não casca), o mesocarpo, o pergaminho e a semente. Portanto, só há quatro método de processamento, dependendo do que se remove ou se mantém no fruto que vai para a secagem. Se ele chegou ao setor de secagem com semente, pergaminho e um pouco de mel, passou por um método de processamento que removeu o exocarpo e, parcialmente, o mesocarpo, e que leva o nome de honey (CD, semi washed ou semi dry). Esse é o café em pergaminho – ou com mel, mucilagem ou parte do mesocarpo, não importa: tecnicamente, é o mesmo no mundo inteiro.

Pode-se, também, remover todo o mel ou mucilagem, e o café seca só com pergaminho. Como se remove essa mucilagem? Por fermentação ou mecanicamente. Só há esses dois jeitos. Pronto, separamos e descrevemos os processamentos. Na Indonésia, há mais um método: o café chega em pergaminho, há uma meia seca para
retirá-lo e a secagem é finalizada só com a semente. É o quarto processo. Assim, há uma simplificação técnica na comunicação do método de processamento. Ninguém vai discutir o nome daquele tecido – mucilagem, mel ou mesocarpo.

E: Existe, quimicamente, diferença entre polpa e mucilagem?

B: Depende da referência utilizada para descrever a composição química do mesocarpo. O café é uma drupa, parecida com o pêssego e a ameixa, e, por definição, tem por característica um mesocarpo carnoso – a polpa. Há técnicas que removem a polpa (mesocarpo) do café, mas não há como removê-la separadamente da pele (exocarpo) do café, que é muito fina. Então, na prática, o que acontece quando há despolpamento? A remoção do exocarpo, de parte do mesocarpo e dos feixes vasculares. A esse conjunto de tecidos, historicamente, deu-se o nome de polpa, mas, do ponto de vista botânico e anatômico, não é. A rigor, polpa é só mesocarpo.

Quando o fruto é verde, esse mesocarpo é um tecido único. Mas, quando acontece a maturação, há uma ação da pectina do exterior para o interior do fruto que deixa o mesocarpo mais liquefeito na porção externa e mais mucilaginoso, com mais pectina, próximo ao pergaminho. Por isso, muitos acreditam em dois tipos de mesocarpo. Mas o tecido é um só.

Ao analisarmos esta “polpa” (exocarpo, parte do mesocarpo e feixes vasculares), sua composição química é a mesma. Mas, se isolarmos o mesocarpo (que é a “mucilagem”), a composição química é outra. A riqueza da polpa e de suas aplicações abre possibilidades para outros usos além da sua utilização, depois de apodrecida, como adubo. No chá de cáscara, por exemplo, a polpa toda está lá.

E: Você investiga os usos potenciais da polpa?

B: Durante uma de minhas pesquisas, percebi que a polpa tinha uma característica diferente da cáscara. O termo cáscara, ou chá de cáscara, vem da Bolívia. Lá, as mulheres que separam o café vendem as sementes, mas ficam com a polpa, que secam ao sol e bebem. Essa popular infusão da polpa seca ao sol é, tecnicamente, uma infusão desidratada do café cereja. Essa cáscara é preta. Mas com a tecnologia que desenvolvemos e patenteamos, ela fica vermelha. Com ela, faço um chá: quem prova jura que está chupando a cereja do café. Fiz testes e cheguei a uma infusão dessa casca, dessa pele com polpa, que é um chá do café cereja. Já estamos na fase de pré-industrialização para lançá-lo como bebida pronta, um ready to drink.

E: Em 2022, numa parceria público-privada (PPP), você desenvolveu uma técnica para utilizar frutos verdes na produção de cafés especiais. Outra quebra de paradigma?

B: É uma inovação. Desenvolvi na UFLA uma tecnologia para produzir um café especial com maior atividade antioxidante, nutracêutico, com quase 50% de café imaturo. Com essa patente, que está licenciada por uma empresa multinacional [Syngenta], estamos produzindo café com altíssima atividade antioxidante. Além de os frutos imaturos serem benéficos à saúde, como sua ação antioxidante, utilizá-los é aproveitar cafés de uma fazenda, já que nenhuma produz só especiais. Com esse novo manejo pós-colheita, há um upgrade econômico, pois cafés imaturos que iriam para a indústria tradicional passam a ser especiais. Além de adiantarmos a colheita, há perda menor de frutos.

E: Durante muito tempo acreditou-se que secadores mecânicos não produziam qualidade em cafés. Isso já caiu por terra?

B: No meio científico, há muito tempo. A ciência vem trazendo muitas contribuições para o setor, mas há uma distância grande entre a produção do conhecimento científico e sua aplicação industrial. Mas, veja que inovador: recentemente, recebi o convite de uma empresa do Paraná, que faz equipamentos de alto nível, para desenvolver, em parceria, um secador destinado à produção de especiais. Começamos a colocar o projeto no papel.

E: Por que essa concepção mudou?

B: Principalmente pelo desenvolvimento de novos conhecimentos. Na cafeicultura, a inovação nos equipamentos é precária, pois a indústria brasileira investe pouco em secagem de cafés. Os equipamentos são praticamente os mesmos há décadas. Quando muito, há empresas de fora do setor que lançam novidades – como automação em controle do sistema de secagem. Isso ajudou, porque as duas principais causas de perda de qualidade do café na secagem artificial são danos térmicos e os causados por taxa de secagem elevada.

Na secagem em terreiro, leito suspenso ou estufa, o maior risco são as variações climáticas. Umidade relativa muito alta e secagem muito longa podem comprometer a qualidade. Secador pode produzir especiais? A princípio, sim, desde que se compreenda a mecânica, o fluxo de ar e o controle de temperatura (o café deve estar a, no máximo, 40°C), para que a secagem esteja nos parâmetros recomendados. Se a secagem em camas africanas ou estufas for lenta, a chance é bem maior.

Há, assim, sistemas de baixo risco e que precisam de pouco conhecimento e, de outro lado, equipamentos que podem colocar o café em alto risco se não soubermos manejá-los bem. Se o equipamento tem condições técnicas e o produtor sabe usá-lo, pode-se produzir qualidade. Se isso não fosse verdade, países da América Central e a Colômbia, que praticamente não conseguem secar cafés ao sol, não teriam grãos especiais.

Uma boa combinação é fazer uma parte da secagem ao sol, em terreiro, e terminá-la num secador. Nossa vantagem é termos muitas áreas de clima seco e com muito vento. Assim, no início da secagem, a água evapora facilmente com insolação e vento. Depois, economiza-se energia com finalização por secagem artificial, reduzindo o risco de expor o produto a alterações climáticas.

Mas, e se existir um secador que dispense terreiro e produza cafés especiais? Hoje em dia, não há como incentivar grandes áreas de secagem ao sol em terreiro, não é viável. Produtores pequenos, médios ou grandes estão passando por uma crise de sucessão familiar e de disponibilidade de mão de obra. Esse é meu projeto: abrir a mente das pessoas para um secador pensado para especiais, que não vai garantir, mas vai permitir a produção de lotes com qualidade consistente, dispensando terreiro. É o sonho de todo produtor. A previsão é analisar os primeiros protótipos e instalar nas fazendas os primeiros equipamentos para comercializá-los até 2026.

Interior da Borém Cafés Especiais, cafeteria e torrefação da família

E: Em 2021, você abriu uma torrefação e cafeteria em Lavras, a Borém Cafés Especiais. Que cafés você torra e oferece?

B: A Borém é uma forma concreta das pessoas terem acesso a tudo o que aprendi e escrevi. Nossa missão é oferecer saber, sabor e saúde no mesmo lugar. Há dois grandes grupos de café torrado. Um que faz com que externalizemos nossa percepção e outro com o qual buscamos um diálogo conosco. No primeiro grupo estão cafés raros, reservas e microlotes e, no segundo, cafés aconchegantes, adocicados e levemente ácidos. Estes são, respectivamente, nossos cafés das linhas Reserva e Clássica. Temos ainda a linha Saúde, especiais com maior teor antioxidante ou com maior ou menor teor de cafeína, para quem tem questões de saúde com ela. Pessoas que frequentam academia e ciclistas costumam tomar cafeína sintética, que é um perigo para a saúde. Oferecemos, então, um blend de arábica e canéfora com cafeína prontamente disponível. Elas bebem um café de verdade, especial e ganham uma dose considerável de cafeína. Pretendo trazer, em breve, conhecimento acessível sobre torra para desmistificar esse universo, onde há muita informação empírica e sem questionamentos. Minha natureza é questionar: não é à toa que sou pesquisador.

Quer ler mais sobre o assunto? Acesse aqui a continuação da entrevista com Flávio Borém.

Texto originalmente publicado na edição #83 (março, abril e maio de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto • FOTO Divulgação

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Nespresso quer gastar US$ 20 milhões para desenvolver cafés no Congo

A Nespresso anunciou hoje (27/3) que pretende gastar US$ 20 milhões entre compras de café e fornecimento de assistência para a República Democrática do Congo, na África. Quer, também, ajudar na arrecadação da mesma quantia  para apoiar o setor cafeeiro na região leste do país. O compromisso faz parte do programa contínuo da Nespresso, “Revivendo Origens”, que assiste áreas produtoras afetadas por desastres naturais ou questões sociais. 

Já houve auxílio da empresa na região em 2021, por meio de aliança financiada pela USAID, a Aliança do Café Gorila. Nessa nova iniciativa, os parceiros, além da USAID e outras instituições, incluem cafeicultores de Kivu, principal área produtora de arábicas, no leste do país. 

Os US$ 20 milhões serão destinados a compras de café cru, a prêmios financeiros relacionados à qualidade e sustentabilidade (AAA da Nespresso) e a projetos em comunidades produtoras de agricultura regenerativa, acesso à água limpa e assistência médica, por exemplo.

TEXTO Fonte: Daily Coffee News • FOTO Daniel Fontes

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Expocafé 2024 acontece em junho, em local diferente, em Três Pontas (MG)

A novidade da edição 2024 da feira Expocafé, que acontece entre os dias 3 e 6 de junho, é o novo local de realização: o Aeroporto Lêda Mello de Rezende, no bairro Santana, a aproximadamente 2 km do centro de Três Pontas (MG).

Este ano também marca o retorno da Cooperativa dos Cafeicultores da Zona de Três Pontas (Cocatrel) como realizadora, que conta com a parceria da Universidade Federal de Lavras (UFLA), da Prefeitura de Três Pontas e da Espresso&CO na organização do evento.

Reconhecida por ser uma das feiras mais tradicionais da cafeicultura nacional, a Expocafé segue o mesmo modelo das últimas edições. Neste ano, espera receber um público visitante de 20 mil pessoas, com mais de 130 marcas expositoras. A programação, que será divulgada em breve, incluirá palestras e exposições de produtos e novidades.

Marcas interessadas em expor na Expocafé 2024 podem entrar em contato pelos e-mails thiago.barros@espressocompany.com.br ou marcos.haddad@espressocompany.com.br 

Serviço
Expocafé 2024
Quando: 3 a 6 de junho
Onde: Aeroporto Lêda Mello de Rezende – av. Aristides Botrel de Figueiredo – Santana – Três Pontas (MG)
Informações: www.expocafeoficial.com.br

TEXTO Redação • FOTO Erasmo Pereira

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Minas Gerais leva a melhor no 33º Prêmio Ernesto Illy de Qualidade Sustentável do Café para Espresso

A noite da última quinta-feira (21) foi de festa para a illycaffè. A empresa italiana realizou, em São Paulo (SP), a cerimônia de premiação do 33º Prêmio Ernesto Illy de Qualidade Sustentável do Café para Espresso, que contou com a inscrição de 760 amostras vindas de diferentes regiões do país. 

Minas Gerais se destacou por ser a origem dos três primeiros lugares. Os vencedores nacionais da vez foram Décio Bruxel, de Varjão de Minas, Cerrado Mineiro; Flávio da Costa Figueiredo, de Cabo Verde, Sul de Minas; e Matheus Lopes Sanglard, de Araponga, Matas de Minas.  

Da esquerda para a direita: Flávio Figueiredo, Matheus Sanglard e Décio Bruxel – Foto: Divulgação

A ordem entre eles será divulgada apenas no 9º Prêmio Internacional de Café Ernesto Illy e reúne os melhores cafeicultores dos países que fornecem grãos para a illy. Além de diplomas e de passagens para a premiação internacional, os ganhadores nacionais foram consagrados com R$ 10 mil cada.

Para selecionar as amostras finalistas, a comissão julgadora da illy analisou quesitos como cor, aspecto, seca, tipo, peneira, teor de umidade, torração e qualidade da bebida. Com início em 1991, a premiação já reconheceu mais de 1.500 produtores brasileiros, destacando a qualidade, a sustentabilidade e o comprometimento na cafeicultura do Brasil. 

Além dos vencedores nacionais, a edição também premiou os destaques nas categorias Regional e Classificador do Ano:

Categoria Regional

Centro-Oeste
Márcio José Gremonesi – Catalão (GO)
Gelsi Zancanaro – Cristalina (GO)

Cerrado Mineiro
Décio Bruxel – Varjão de Minas (MG)
Eduardo Pinheiro Campos – Presidente Olegário (MG)

Sul
Luiz Roberto Saldanha – Jacarezinho (PR)

Sul de Minas
Flávio da Costa Figueiredo – Cabo Verde (MG)
Renato Assis Moreira – Cabo Verde (MG)

São Paulo
Agropecuária da Pedra – Torrinha (SP)
João de Deus Tranquillini – Caconde (SP)

Chapada de Minas
Maria Cacilda Arroyo – Ninheira (MG)
Luís Manuel Fachada Martins da Silva – Angelândia (MG)

Matas de Minas
Matheus Lopes Sanglard – Araponga (MG)
Raimundo Dimas Santana – Araponga (MG)

Classificador do Ano
Luiz Evandro Ribeiro – Cooxupé – Matas de Minas
Edenilson de Oliveira Cabral – Matas Estate Coffee – Matas de Minas
Ricardo Nogueira Coelho – Origem Corretora de Café – Cerrado Mineiro

TEXTO Gabriela Kaneto • FOTO Gabriela Kaneto

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Verônica Belchior é a nova integrante da World Coffee Research

A brasileira Verônica Belchior é a mais nova Cientista Pesquisadora de Avaliação da Qualidade do Café da World Coffee Research (WCR). Com quase 15 anos de experiência em cafés, Verônica é doutora em Ciência dos Alimentos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Q-Grader desde 2013. Em 2014, criou sua versão do curso de Análise Sensorial de Cafés Especiais e participou do Projeto The Coffee Sensorium.

Seu papel na WCR – organização de pesquisa sem fins lucrativos dedicada a promover sustentabilidade e lucratividade da indústria do café – é contribuir com os programas de pesquisa, desenvolvimento e melhoramento de variedades, particularmente na avaliação da qualidade dos grãos em muitas origens de café pelo mundo. Ela também vai supervisionar e fortalecer a conexão entre o setor, os pesquisadores-colaboradores e os especialistas em melhoramento genético de plantas, agrônomos e outros pesquisadores do WCR. 

Entre suas pesquisas está a criação de modelos estatísticos para classificar cafés analisados por espectroscopia, cromatografia e análise físico-química. “Trabalhar para a World Coffee Research é uma forma de criar algo novo e relevante para o mundo do café e diante das mudanças climáticas”, diz a pesquisadora mineira, em entrevista ao WRC.

Clique aqui para conferir a reportagem completa.

TEXTO Redação

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Café sob a lupa de especialistas

Quantas notas sensoriais podem ser encontradas dentro de uma xícara? Antes que você dê o primeiro gole e faça as suas anotações, profissionais treinados (provavelmente) já analisaram o seu café. Conheça o papel do Q-Grader na compra e avaliação de lotes e a sua importância para a melhoria contínua da qualidade dos grãos brasileiros 

Foto: Agência Ophelia

Quando adquirimos um café especial, é comum encontrarmos na embalagem a descrição sensorial da bebida, como frutas vermelhas, açúcar mascavo, caramelo. Já na xícara, buscamos essas referências principalmente a partir de aroma e sabor, e acessamos nossa memória para identificar novas notas que podem aparecer entre um gole e outro. Para nós, consumidores, esse é um exercício despretensioso, um ritual a cada café tomado. Mas, por trás do prazer sensorial, existem características  complexas, profundamente analisadas por profissionais que se dedicam, diariamente, a identificar, descrever e analisar o melhor (ou não) de cada grão. 

Quem é e o que faz um Q-Grader

Os chamados Q-Graders — provavelmente você já ouviu falar deles — são os responsáveis por avaliar e emitir laudos de qualidade em café. Em inglês, Q é a abreviação de “quality”, enquanto Grader significa classificador, avaliador. Porém, diferentemente do classificador de café, o Q-Grader é uma certificação internacional que habilita profissionais por meio de uma metodologia específica, faz com que eles estejam aptos a avaliar física e sensorialmente um grão, e categorizá-lo como “especial” ou “não especial” dependendo dos atributos positivos e defeitos encontrados. Já o classificador não precisa, obrigatoriamente, ser certificado como Q-Grader.

“Os dois profissionais são extremamente importantes no mercado de cafés, tanto especial quanto comercial”, afirma Donieverson dos Santos, Q-Grader há quatro anos. “Essas profissões são complementares, e fazem com que a avaliação do café seja conduzida com seriedade e profissionalismo, valorizando o produto e destinando-o comercialmente de maneira correta”, completa. 

Como tornar-se um Q-Grader

É necessário realizar o curso de capacitação, oferecido pelo Coffee Quality Institute (CQI). Durante o curso — que também acontece no Brasil, em locais validados pelo CQI —, o profissional é treinado e avaliado em diferentes aspectos relacionados à análise sensorial, para aprofundar-se em certificações específicas: Q-Grader, para cafés arábica, ou Q-Robusta Grader, para cafés canéfora.  

KJ Yeung, Q-Grader há três anos, conta que a avaliação é feita em uma semana – mas não se engane: apesar do pouco tempo, é um aprendizado intenso. “A resiliência do candidato ao treinamento é a peça-chave para a aprovação”, explica KJ Yeung. Segundo ele, além da resistência física e mental durante as aulas e provas, o participante precisa conhecer avaliação sensorial em profundidade, a partir da vivência em provas no dia a dia, ou, pelo menos, uma boa percepção do método. Ainda segundo o profissional, as softskills adquiridas fora do ambiente de trabalho são essenciais: “ter curiosidade, não apenas sensorial, é a base para ser um bom avaliador. Quanto maior a experiência, mais ampla é a percepção de qualidade, que pode ser bem flexível e subjetiva dependendo do lugar”, ensina. Outra característica importante, de acordo com o Q-Grader, é ter senso crítico. “O que não significa ser severo, mas reconhecer, realmente, as características de um café, positivas ou negativas”, destaca. 

Não é necessária nenhuma habilidade especial para ser um bom profissional. Ao longo do tempo, porém, algumas medidas podem ser tomadas para que o desempenho do profissional não seja comprometido, e ele consiga tornar-se referência. Entre elas, evitar o consumo excessivo de álcool e de tabaco, ter uma alimentação balanceada, buscar aumentar sempre seu leque sensorial e manter-se em aprendizado contínuo, além de continuar a ter foco e curiosidade.

Avaliação do café

O café é avaliado e classificado em duas etapas: classificação física e análise sensorial. No caso dos cafés especiais, faz-se primeiramente a amostragem. “Ela deve ser representativa do lote. Se a amostragem não for bem-feita, a análise e a compra do grão podem ser prejudicadas”, aponta a Q-Grader Camila Arcanjo, que atua no ramo há dez anos. 

Na etapa de classificação física, o grão cru (café verde) é avaliado em uma série de fatores, como definição do produto (arábica ou canéfora), porcentagem de umidade, presença de material estranho, defeitos extrínsecos e intrínsecos, odor, cor, tamanho (peneiras) e porcentagem de defeitos (quebra ou catação).

Depois, parte dessa amostra é torrada para o processo de avaliação sensorial. “Aqui, aproveitamos e avaliamos a quantidade de quackers por 100 gramas de café torrado”, explica Camila. Quackers são os ‘grãos pálidos’ definidos na Classificação Oficial Brasileira (COB). “Essa amostra será avaliada no ponto de torra médio, e a granulometria deve permitir que 70 a 75% do pó de café passe por peneira 20 mesh (quanto maior o número do mesh, mais fino será o pó), entre 8 e, no máximo, 24 horas depois da torra”, detalha a especialista.

Durante a análise sensorial, se o produto for comercial, ele será avaliado em diferentes grupos de bebida: estritamente mole, mole, apenas mole, duro, riado, rio ou riozona. Se o café for especial, os parâmetros avaliados irão definir uma determinada pontuação, que geralmente varia de 60 a 100 pontos. Cafés considerados especiais devem pontuar acima de 80. São analisados nesta etapa aroma/fragrância, sabor, finalização, acidez, balanço (equilíbrio), uniformidade, limpeza (ausência de defeitos), doçura e avaliação pessoal.

Foto: Igor do Vale

Divergências entre avaliações

Um Q-Grader que trabalha para um produtor e um Q-Grader de concursos avaliam o mesmo café de formas diferentes? Para Donieverson, isso depende das condições em que o produto é analisado. “O protocolo padroniza a avaliação e dá respaldo para que o café seja avaliado nas mesmas condições, independentemente do local”, diz ele. No entanto, outros fatores podem colaborar para a divergência de avaliações: a calibragem, a experiência e o leque sensorial de cada provador. 

“A calibragem pode ser um dos fatores que colaboram na divergência. Profissionais descalibrados tendem a avaliar cafés de forma equivocada”, acredita ele. A experiência e o leque sensorial também são pontos que podem contribuir. Donieverson destaca ainda que provadores mais experientes, cuja biblioteca sensorial é bem desenvolvida e que tiveram a possibilidade de avaliar cafés de diferentes regiões e propriedades, são mais coerentes. “O ideal é que, caso haja diferença, ela não seja maior do que 1,5 ponto. Se isso acontecer, é recomendável que o café seja novamente avaliado e, se possível, com mais profissionais envolvidos”.

O Q-Grader na indústria e no campo

Este profissional pode trabalhar em diferentes segmentos do setor, como indústrias, tradings, laboratórios de controle e qualidade, fazendas, cooperativas, associações e, também, de forma autônoma, com a emissão de laudos de qualidade e serviços de consultoria. Na indústria, ele atua em várias etapas, mas principalmente na recepção e checagem de qualidade da matéria-prima. “Por meio de avaliação física e sensorial, ele pode aprovar ou rejeitar um lote de café que foi comprado, ao verificar se a qualidade está de acordo com os parâmetros preestabelecidos em contrato”, explica Donieverson. Outro ponto importante é a definição do produto. “Por meio de avaliação sensorial e checagem de qualidade, o profissional pode chamar atenção sobre pontos em alguma etapa do processo industrial, para melhoria e, também, para fazer a seleção de uma linha de perfis que serão utilizados pela marca, direcionando os pontos de acordo com o público e o mercado consumidor”, completa.

No campo, o Q-Grader tem papel fundamental. É ele que faz a avaliação de todos os lotes de café produzidos na propriedade, por meio de metodologia internacional e respeito aos diferentes parâmetros de análise sensorial padronizados, a fim de que o mesmo produto possa ser avaliado por diferentes profissionais, nas mesmas condições ou o mais próximo possível delas. “Sem dúvida, as propriedades com recurso e estrutura para um laboratório, onde seja possível fazer a análise sensorial de todos os lotes cultivados, têm um diferencial”, aponta Donieverson. Ele acredita que é fundamental ter um profissional certificado para auxiliar na avaliação.

É importante, também, que este profissional esteja calibrado com profissionais da mesma região e de áreas diferentes, que lidam com perfis e processamentos distintos de cafés, para que o “vício sensorial” seja menor. Além disso, é importante que não haja restrição de acesso a diferentes terroirs. “Profissionais que estão sempre provando cafés da mesma região ou propriedade tendem a padronizar a avaliação, e avaliar de forma equivocada diferentes qualidades de cafés de qualidade diferentes”, alerta o profissional.”É fundamental,  sempre que possível, a calibragem e a avaliação de diferentes grãos e regiões”, sugere. Por fim, é interessante que haja na propriedade pelo menos dois profissionais para análise sensorial do café, de modo que se possa discutir pontos convergentes e divergentes quanto à amostra analisada. 

O trabalho do Q-Grader também é relevante na venda do café. “Com a classificação e o laudo, chega-se a um valor comercial estimado para o produto”, ensina Donieverson. Com essa análise em mãos, é possível buscar e aplicar o café em diferentes mercados e empresas de compra e venda, para a obtenção de uma rentabilidade atrativa para o produto”, explica. A classificação, porém, é um respaldo para a qualidade, e não um certificado obrigatório para as empresas de comercialização. Ou seja, a negociação deve acontecer de modo que as duas partes sintam-se satisfeitas.

Texto originalmente publicado na edição #81 (setembro, outubro e novembro de 2023) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Gabriela Kaneto

Cafezal

Como nasce um novo café

O desenvolvimento de novas cultivares é parte de uma pesquisa contínua e que pode levar décadas. Saiba como é esse trabalho e o que os pesquisadores estão buscando em Campinas (SP) e em Minas Gerais 

Enquanto você toma um gole do seu espresso torra média, de grãos catuaí amarelo da região paulista da Alta Mogiana, dezenas de pessoas estão trabalhando para melhorar os cultivares de café para que produzam mais, sejam mais resistentes a pragas e doenças e tolerem melhor a falta ou o excesso de chuvas e os períodos de frio ou calor intensos. Tudo para que você continue a ter um bom café na xícara. E, claro, para que a cadeia produtiva continue a gerar dinheiro e empregos para muita gente. 

Talvez você não esteja “associando o nome à pessoa”, mas cultivares, grosso modo, são o tipo da planta: o catuaí amarelo já citado, bourbon, mundo novo, catucaí, arara, obatã vermelho… Alguns referem-se a elas como variedade, mas desde o fim dos anos 1990, ficou determinado que a terminologia correta é a cultivar, assim mesmo, no feminino, pois deriva do inglês cultivated variety que, na tradução, significa variedades cultivadas.

O melhoramento de café é a reprodução em laboratório de algo que acontece na natureza: o cruzamento e a seleção de plantas mais aptas. A diferença é que, na natureza, isso geralmente acontece visando a sobrevivência da espécie. Já em laboratório, é possível focar em um objetivo que seja conveniente para nós. No Brasil, essas pesquisas são realizadas em instituições governamentais, como o pioneiro Instituto Agronômico de Campinas (IAC), que faz melhoramentos desde a década de 1930. O objetivo inicial era aumentar a produtividade na lavoura e desenvolver plantas resistentes à ferrugem, uma doença cruel para o cafeeiro e que, embora tenha chegado ao Brasil na década de 1970, já era investigada de maneira preventiva.

Mas não pense que desenvolver café é como criar uma coleção de moda, em que sai uma nova criação a cada estação. “Leva cerca de 50 anos para termos uma cultivar estável para disseminar em escala”, explica Júlio César Mistro, pesquisador da área de melhoramento genético do IAC. Segundo ele, é preciso, primeiramente, acompanhar oito gerações: o café é uma planta perene, que demora dois anos para ficar adulta e mais quatro produzindo para a coleta de sementes. “Dá para acelerar esse processo e obter menos gerações, por clonagem ou por biologia molecular, mas é importante ter a noção real do tempo”, observa Júlio. 

Foco no campo

Enquanto todos os outros processos do café têm por objetivo o resultado na xícara, no melhoramento o foco está na lavoura. “A resistência à ferrugem, que é devastadora, ainda é muito importante”, comenta César Elias Botelho, pesquisador da área de melhoramento de cafeeiro da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas gerais (Epamig). Outros melhoramentos perseguidos referem-se ao desenvolvimento de plantas mais baixas, que facilitem a colheita, resistentes a pragas (como os nematoides, vermes do solo, e o bicho minerador) e com sistema radicular mais eficiente na captação de água. “Além disso, buscamos por características que diminuam a necessidade do uso de agrotóxicos”, completa César. Há, ainda, desenvolvimentos de cultivares descafeinadas ou com teor menor de cafeína no fruto, além daquelas com frutos maiores, que gerem sementes de peneira maior. E, embora não com a mesma importância, os estudos também buscam por características de qualidade da bebida.

Para o futuro, que já acontece nos laboratórios, uma das linhas de pesquisa é a de cruzamentos com outra espécie de café, a Coffea liberica, cujo sistema radicular, abundante, é capaz de buscar água em camadas mais profundas do solo.  

Cultivares de café (em nomes simplificados) e suas curiosidades

Typica – foi a primeira cultivar a chegar ao país, trazida das ex-Guianas por Francisco de Melo Palheta. Ainda hoje é plantado em alguns estados do Nordeste, como Pernambuco

Bourbon – é uma mutação natural do typica e aparece no Brasil por volta de 1850. Atualmente, é padrão de café de qualidade no mundo

Sumatra – trazido pelo governo brasileiro no fim do século 19

Mundo Novo – foi desenvolvido pelo IAC após ser identificado na região de Urupês (SP), então conhecida como mundo novo, e resulta de um cruzamento espontâneo dos cafés sumatra e bourbon

Icatu – é um híbrido de arábica com canéfora, mais resistente à ferrugem

SH3 catuaí – é imune à ferrugem e tolerante à seca

Tupi – cruzamento com híbrido de timor, que tem canéfora em sua genética e é resistente à ferrugem 

Apoatã – com frutos arábica, é enxertado em robusta para ter resistência a nematoides, que não atacam a raiz dessa cultivar

TEXTO Cintia Marcucci

Cafezal

Especialistas debatem agricultura regenerativa em reunião da Plataforma Global do Café

Com o intuito de discutir conteúdos técnicos e científicos sobre agricultura regenerativa, a Plataforma Global do Café (GCP) reuniu, pela segunda vez, conhecidos nomes do ramo em encontro virtual, feito em meados de janeiro, pelo YouTube (clique aqui para assistir ao webinar). Ao todo, foram 70 participantes – o encontro é exclusivo para membros da GCP.

Victor Monseff, engenheiro agrônomo e CEO da Ribersolo 3R Lab, debateu a respeito da necessidade de análises de solo que meçam não só parâmetros físico-químicos, mas também biológicos. Já o pesquisador e diretor do Centro de Solos e Recursos Ambientais do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Heitor Cantarella, explicou o uso racional de nitrogênio em café.

Esta 2ª edição do encontro contou, também, com os pesquisadores da Embrapa Guilherme Chaer e Adriano Veiga, que contribuíram com o debate sobre a importância da saúde do solo. A agricultura regenerativa integra o plano estratégico 2030 da Plataforma Global do Café no Brasil. A primeira edição do encontro foi realizada presencialmente em novembro, na Semana Internacional do Café 2023.

Para dar continuidade ao tema, os próximos encontros exclusivos para membros da GCP já têm data: em 21 de fevereiro, no Dia de Campo da Associação dos Cafeicultores de Montanha de Divinolândia (Aprod), e em 4 de abril, em oficina presencial a ser realizada em Campinas (SP).

TEXTO Redação • FOTO Divulgação

Cafezal

Um contrato com o solo

Agricultura regenerativa, embora não tenha uma definição universal, é a aposta-chave para a recuperação da terra e a produção sustentável de alimentos

“O mundo terá apenas mais 60 colheitas”. A afirmação, atribuída a um funcionário de alto escalão das Nações Unidas, virou manchete em 2014. Oito anos depois, reverberou como título de livro. Alarmante, criticada por não ter base científica ou autoria confirmada, a declaração chamou ainda mais a atenção para um problema fundamental na agricultura: a degradação dos solos e a urgência em recuperá-lo.

A preocupação com o solo não é exagerada. Um estudo com 225 amostragens de solo pelo mundo publicado no periódico Environmental Research Letters em 2020  mostrou que pouco menos de um terço dos solos manejados convencionalmente têm expectativa de vida menor que 200 anos, e 16%, menor que 100 anos. E solos com medidas de conservação, 39% têm expectativa de vida superior a 10 mil anos. “A curta expectativa de vida do solo está generalizada em todo o mundo, incluindo algumas das nações mais ricas”, concluiu o estudo.

Tema recorrente na Semana Internacional do Café 2023, a agricultura regenerativa (AR) é entendida como a chave para a produção sustentável de alimentos. No Brasil cafeeiro, o interesse pelo tema é cada vez maior. Porém, a falta de definição de um conceito compartilhado dificulta a criação de leis, políticas e financiamento público em agricultura regenerativa.

A discussão sobre as delimitações do termo levanta dois pontos importantes: o primeiro é que a AR não se opõe à agricultura convencional, porque mantém alguns aspectos dela (como o uso de insumos químicos).

O segundo ponto é a utilidade de defini-la de modo abrangente, para cada propósito e contexto. É o que vem acontecendo na cafeicultura de qualidade, feita tanto por produtores individuais quanto por empresas que se abastecem do café brasileiro. O objetivo é o mesmo: recuperar e preservar a saúde do solo, equilibrar os ecossistemas, mitigar as mudanças climáticas e promover a resiliência dos sistemas agrícolas.

Murilo Bettarello, da Viaverde, consultoria especializada em sustentabilidade e agricultura regenerativa, explica que o tripé da AR é saúde do solo, insumos locais e substituição parcial de insumos químicos por insumos locais. “Tudo isso aliado a eficiências produtiva e operacional e ao bem-estar das pessoas envolvidas nesse trabalho”, define ele, que é engenheiro agrônomo e produtor de café, soja e milho na fazenda Floresta, região da Alta Mogiana (SP).

“Sustentabilidade é algo maior do que agricultura regenerativa”, pondera Pedro Ronca, gerente no Brasil da Plataforma Global do Café. Segundo ele, as empresas estão tentando formar seu próprio conceito, que inclui um menor impacto da produção, diminuir o uso de insumos ou usá-los de maneira mais racional e promover a matéria orgânica e a biodiversidade do solo. “Uma das questões fortes da agricultura regenerativa hoje, por exemplo, é a produção de bioinsumos para a cafeicultura“, adianta Ronca.

Pós de rocha e drones

Fernando Beloni, sócio-diretor da AgroBeloni, empresa agrícola com várias fazendas em Patrocínio (MG), forjou sua própria definição: “Agricultura regenerativa, para mim, é a busca pelo equilíbrio do solo e da planta, o que traz sustentabilidade a longo prazo”, sustenta.

Fernando Beloni ao lado de plantas de cobertura dispostas na entrelinha de um cafezal – Foto: Divulgação

Em suas fazendas em Alto Paranaíba, Beloni pratica sua agricultura regenerativa há mais de 15 anos. “Diferentemente das outras culturas, o café é uma planta perene, e não é preciso replantá-la todos os anos”, conta.

Ele se refere a um dos fundamentos das práticas regenerativas, que é desestimular o uso de arados no campo. “Arar a terra para o plantio gera desequilíbrio, expondo os micro-organismos à luz e ao calor, matando-os”, explica. “E isso dá lugar àqueles que são mais resistentes, como os nematóides, que são patógenos do café”, completa.

Imagem aérea da Fazenda Santa Cruz, da AgroBeloni, em que aparece a sede, o terreiro e as lavouras – Foto: Divulgação

Beloni também faz uso de plantas de cobertura, que trazem múltiplos efeitos positivos ao solo, e utiliza pós de rocha para corrigi-lo, em lugar de aditivos químicos.

“Os pós de rocha fornecem todos os elementos da tabela periódica”, diz ele. Outras práticas incluem a soltura de inimigos naturais com a ajuda de drones, a compostagem e a complexação do nitrogênio (incorporação de bactérias e matéria orgânica no fertilizante, o que faz com que o nitrogênio, vital para a formação de proteínas na planta, não fique livre no solo e seja liberado gradualmente).

Beloni está expandindo essa conduta não só às suas outras culturas. A Expocacer (maior cooperativa do Cerrado, com 701 cooperados), da qual é presidente, já tem 5,5 mil hectares de cafés certificados para agricultura regenerativa, e parte desses grãos é adquirida pela italiana illycaffè.

Certificação

Regenerar naturalmente o solo, reduzir emissões de carbono, minimizar impactos sobre a biodiversidade e alcançar o equilíbrio entre as pessoas e o ambiente. Estes são os objetivos do modelo agrícola que vem sendo testado pela illycaffé – que há décadas tem a sustentabilidade social, econômica e ambiental como seu modelo de negócio.

E essas práticas agrícolas são definidas de acordo com cada área, pois não há um modelo único que sirva para todas as regiões, nem para todos os tamanhos de fazendas. “Esse modelo garante a saúde do solo e sua regeneração, diminuindo o uso de fertilizantes químicos e aumentando a matéria orgânica, o que preserva a umidade, aumenta a microbiota e deposita o carbono no solo”, explica Aldir Teixeira, diretor da Experimental Agrícola do Brasil/illycaffè. “Nossa meta é atingir 100% de descarbonificação em 2033”, aposta Teixeira.

Cafezal no Cerrado Mineiro, de onde saem os frutos para o Brasile, da illycaffè – Foto: Divulgação

A Regenagri também já certificou cerca de 25 mil hectares de café no Brasil (totalizando onze fazendas individuais, grupos de fazendas e cooperativas). “A avaliação cobre critérios que vão desde o gerenciamento de água e prevenção de poluição até práticas que aumentam a porção de matéria orgânica no solo, gestão de fertilizantes, integração de pecuária etc.”, explica Franco Costantini, CEO da Regenagri. “Implementamos uma abordagem holística e contextualizada, em que cada critério é avaliado de acordo com o local“, define ele.

A agricultura regenerativa não proíbe a utilização de insumos químicos. “O uso de insumos químicos não pode ser totalmente descartado se isso significar queda na produtividade e rentabilidade do agricultor”, alerta Bettarello, referindo-se, particularmente, aos países menos desenvolvidos, como o Quênia ou alguns da América Central. “São países em que o cafeicultor não consegue nem manter seus filhos na escola. Isso não é sustentabilidade”, defende ele.

Para saber mais sobre as principais práticas regenerativas, compre a Revista Espresso #82. Acesse a entrevista de Philip Lymbery, sobre seu novo livro “As últimas colheitas”.

TEXTO Cristiana Couto