Tendências do Café por Euromonitor International

Muito além da xícara: a reinvenção do café solúvel no Brasil

Cápsulas. Grãos. Cafés premium. Certificação de origem. 100% arábica. Cafeterias. Não faltam exemplos de termos relacionados à indústria do café que ganharam relevância ao longo dos últimos anos e que indicam que a oferta e a demanda miravam outros atributos de produto e diferentes ocasiões de consumo da bebida ao longo do dia dos brasileiros.  

No oposto deste cenário, o mercado externo para café solúvel mantém o Brasil como um dos principais exportadores, abastecendo importantes países como Estados Unidos, Japão, Rússia, Indonésia e Argentina. A diversificação das ocasiões de consumo e um reposicionamento do produto em alguns destes mercados contribuíram para manter aquecida a demanda mundial. Mas como traduzir este potencial de demanda no mercado brasileiro?

Entre 2013 e 2018, o Brasil registrou uma taxa média de crescimento anual de menos de 1% em volume de vendas de café solúvel no varejo, inclusive com declínio em alguns subtipos, como os descafeinados. De acordo com a ferramenta Industry Forecast Model da Euromonitor International, capaz de quantificar a importância de cada fator na demanda atual e futura dos produtos, é interessante observar que esse crescimento se deu apesar do impacto negativo de fatores externos, também chamados de hard drivers. Por exemplo, fatores como PIB per capita e persistência de hábito tiveram um impacto negativo (combinado) de 1,5 ponto percentual. Por outro lado, fatores chamados de soft drivers – relacionados a estilo de vida dos consumidores, dinâmica do varejo, maturidade do mercado e cenário competitivo – contribuíram positivamente com 1,5 ponto percentual para o crescimento da categoria nesse período.

O que mais contribuiu, portanto, para a estabilidade do mercado em volume de vendas no varejo desde então, foi o que chamamos de soft drivers – ou seja, os fatores sobre os quais a indústria tem maior poder influência, quando comparados ao cenário macroeconômico.  O impacto positivo destes fatores demonstra que a indústria foi eficiente em sua resposta aos novos desafios do mercado e, assim, tem vencido a resistência do consumidor a comprar este produto.

O que aprender com outros mercados?

Parte da reposta eficiente da indústria vem do entendimento de que muitas das tendências que impactam o consumo de café são as mesmas que afetam mercados como alimentos, bebidas em geral e cosméticos. Nesse sentido, estar atento a mudanças no padrão geral de consumo e buscar maneiras de traduzi-las ao seu mercado é fundamental para manter-se competitivo.

Do ponto de vista da saudabilidade, por exemplo, a visão do consumidor sobre o que um estilo de vida saudável significa agora extrapola conceitos limitados como “sem açúcar” ou “baixa caloria”. Alimentos com posicionamento fortificado ou funcional, orgânicos ou livre de glúten, lactose etc. são os que mais devem crescer em faturamento ao longo dos próximos cinco anos, justamente porque os consumidores hoje entendem “ser saudável” como buscar o bem-estar holístico, que inclui uma ideia de sentir-se bem consigo mesmo, ter energia para as atividades do dia-a-dia e evitar ingredientes de acordo com suas necessidades individuais, entre outros fatores.

A questão é que um consumidor que busca produtos sem lactose em alimentos por uma restrição alimentar, provavelmente vai fazê-lo em outras categorias também. Por isso, a sinergia entre os atributos de diferentes produtos é tão estratégica para as marcas que queiram se tornar relevantes. Lançamentos alinhados com este movimento incluem o Cappuccino Balance da 3 Corações, que é sem lactose, sem adição de açúcares e com extrato de café verde, para um extra de energia. Já o Cappuccino Stevita também é zero lactose, mas traz como diferencial ser adoçado com stevia.

Sabor universal: a consolidação do café como ingrediente e não produto

Que o brasileiro aprecia o sabor do café, não há dúvidas. De acordo com os dados da Euromonitor, somos o maior consumidor global de café, à frente de Estados Unidos e respondendo por 16% do volume mundial. O brasileiro toma, em média, 839 xícaras de café ao ano, mais do que cinco vezes a média mundial. Sabendo da importância do café para o paladar brasileiro, é comum que muitas marcas o incluam como um novo sabor no portfolio de produtos. Em refrigerantes, temos um forte exemplo com a Coca-Cola Plus Café Espresso, que une duas bebidas altamente consumidas no país.

Mais recentemente, vimos um forte movimento similar no segmento de suplementos alimentares. Com a popularização desses produtos e o uso mais frequente por parte dos consumidores, a busca por novos sabores passa a ser um atributo de diferenciação. A categoria de produtos esportivos à base de proteínas (incluindo pó, pronto-para-beber e barras de cereais) deve crescer 15% em faturamento ao ano, em média, até 2023. Marcas como a Power1One, por exemplo, já tem em seu portfolio produtos como o Protein Coffee, uma mistura à base de café solúvel e whey protein para preparo de cappuccino, a ser consumido quente, em uma clara referência ao momento do café tradicional. Outras, por sua vez, optaram por oferecer o suplemento proteico comum, com sabores derivados do café, como cappuccino, moccaccino etc.

Uma nova era para o café solúvel no Brasil

Até 2023, as vendas de café solúvel no varejo devem crescer, em média, 2,5% ao ano, alavancadas principalmente por este movimento de reinvenção da indústria, criação de diferentes ocasiões de consumo ao longo do dia e reposicionamento na mente do consumidor, contribuindo para a consolidação de novos hábitos em relação ao produto.

O cenário projetado mais otimista reforça quão fundamental é o papel de toda a cadeia de produção e distribuição em criar seu próprio sucesso. Fatores macroeconômicos e sociodemográficos devem continuar impactando a demanda futura de café solúvel, mas estar preparado para inovar é a principal estratégia para atenuar uma possível volatilidade de mercado e se manter fortemente competitivo – seja na xícara ou em qualquer outro momento da vida de seus consumidores. 

*Angelica Salado, Consultora, Euromonitor International. Saiba mais! 

TEXTO Angelica Salado, Consultora, Euromonitor International

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