Aftertaste por Pedro Cirne

Crônicas sobre a vida, o universo e o tudo mais

Grandes mistérios: onde está o meu (preencha aqui)

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Acho que a frase que eu mais ouvi na infância foi algo como “estava aqui, bem debaixo do seu nariz!”. Ou talvez tenha sido “se eu for aí e encontrar, vou esfregar na tua cara!”. O contexto era o mesmo: derrotado pela minha incapacidade de achar qualquer coisa, especialmente nos momentos em que eu mais precisava delas (por exemplo, a lição de casa, quando já atrasado para o colégio), eu apelava para as instâncias superiores: minha mãe.

(Pausa para um parêntese: creio que os pais são a instância superior de todas as crianças, um misto de STF, Presidência da República e Congresso Nacional, tudo somado – com a diferença que eles trabalham sete dias por semana, 24 horas por dia. Eles resolvem dúvidas importantes como “posso comer isso aqui ou está estragado?” e “qual melhor caminho até a casa de …” para crianças de todas as idades.)

Quando criança, eu inventei um utensílio invisível a que só eu tinha acesso chamado Sacola do Cheiro. Ela ficava sempre no mesmo canto do meu quarto – se eu perdia objetos visíveis, imagine os invisíveis. Quando precisava (perdi meu boletim!), ia lá, “pegava” a Sacola do Cheiro (que era mágica, lógico) e a abria. De dentro dela, saía um odor verde – crianças adoram sinestesias, mesmo que só aprendam que existe uma palavra para “misturar sensações” dali a muitos anos- que eu deveria seguir. O cheiro mágico me guiaria, infalivelmente, até o objeto perdido, mesmo que isso significasse passar o dia desarrumando e arrumando meu quarto. Se porventura a “infalível” Sacola do Cheiro falhasse, o STF chamado “mãe” resolveria a questão em menos de dois minutos.

Hoje, adulto, ainda acredito em coisas invisíveis (o bóson de Higgs pode ser considerado invisível, certo?) e, infelizmente, ainda perco ao menos uma coisa por semana. Dizem que se você não pode vencê-los, junte-se a eles, então minha vontade é de montar um ranking, tipo o da Fifa, e ver no final do ano quem é o campeão. Imagino a emocionante parcial de outubro, por exemplo, com o bilhete único e a chave de casa empatados com 13 pontos, mas a carteira -com todos os documentos dentro- se aproximando, como quem não quer nada, e já amealhando 11 pontos.

Pois virei adulto, deixei a casa de meus pais para trás e o problema, é claro, veio comigo no caminhão de mudança, provavelmente espremido entre um controle remoto que sumiu na comemoração de algum gol da Copa de 1994 e a única lição de casa da sétima série que eu não deixei para fazer de última hora (procrastinação, essa praga da humanidade). Pior: agora não tenho STF familiar por perto para apelar, nem irmão mais novo para culpar (transferência de culpa, essa outra praga da humanidade).

A única coisa que lamento realmente ter perdido é a minha Sacola do Cheiro (“minha”, porque desconfio que cada um tenha a sua, ainda que com outro nome). Nunca mais a encontrei. Caso você a encontre por aí, por favor, escreva para mim. Ela é invisível, mas tem o inconfundível cheiro de infância.

*Pedro Cirne é chefe de reportagem do UOL Notícias. Fale com o colunista pelo e-mail aftertaste@revistaespresso.com.br

ILUSTRAÇÃO Eduardo Nunes

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